Os tribunais são orgãos de soberania com competência para administrar a justiça em nome do povo
Nos tribunais, o Ministério Público representa o Estado, exerce a ação penal e defende a legalidade democrática
Cabe-me proferir umas, poucas, palavras em complemento do compromisso solene que aqui assumo, ao tomar posse como Juíza Presidente do Tribunal da Comarca de Lisboa Norte.
Em primeiro lugar e, de certa forma relacionado com o que vou dizer a seguir, quero fazer uma espécie de “disclaimer”:
Tenho ideia que em regra os juízes - e eu incluo-me na norma – em termos de exposição pública, onde estão verdadeiramente seguros e à-vontade é na sala de audiências, com o peso da beca nos ombros.
Será talvez, por isso, esta uma aprendizagem que terei que fazer nestas novas funções: envergar a beca por dentro sem a ter vestida por fora.
Tomar-vos-ei apenas alguns minutos da vossa atenção e não direi, na verdade, muito mais do já havia colocado na minha carta de motivação.
Usarei da palavra para dizer, no fundo, ao que venho.
Assim, entendo importante referir que não me assumi neste processo propriamente como uma candidata ao exercício de um cargo.
Limitei-me a colocar-me ao dispor para a prestação de um serviço e a aguardar, com serenidade.
Tendo sido nomeada para o cargo, aqui estou, com o que sou.
Fui juiz de primeira água no Tribunal da Comarca de Reguengos de Monsaraz, a que se seguiu o então Tribunal de Vila Franca de Xira e, depois disso o Tribunal de Sintra, onde servi durante 3 anos.
A partir de então – e este então situa-se já em 2010 - toda a minha carreira se fez em Loures, primeiro na Vara Mista do Tribunal da Comarca de Loures e depois no Juízo Central Criminal de Loures, do Tribunal da Comarca de Lisboa Norte, onde estive até hoje.
Sou o que se pode designar por um “juiz normal”, banal, com um percurso discreto e, por assim dizer, “caseiro”. Um percurso voltado para um exercício dedicado das funções, sempre dentro de portas, já que, aparte as ações de formação e estágios na minha área de jurisdição, nunca me aventurei por outros meandros, nem abracei outras funções.
Como juíza caseira que sempre fui e ao mesmo tempo atenta ao que se passava em seu redor, dei ao longo dos anos sempre o meu melhor contributo para o bem comum.
Conheço a orgânica, os espaços e as pessoas do meu Tribunal, pelo menos as mais próximas, dada a dimensão da comarca.
Quanto a espaços, só para dar alguns exemplos, em Loures há corredores de gabinetes de magistrados que se atravessam por entre baldes de recolha das águas da chuva, e em Vila Franca de Xira trabalha-se em condições inenarráveis. O novo palácio de justiça era já promessa quando lá fui juiz, ainda antes de se realizarem, durante anos a fio, audiências de julgamento em contentores miseráveis, provisoriamente ali colocados há 14 anos. Uma vergonha para todos.
O Tribunal do Comércio de Vila Franca de Xira, tido como uma conquista para o município, funciona desde 2014, em Loures … gerando, para além do mais, insegurança a quem concorre para este Tribunal, já que a situação vem-se arrastando, mas não deixa de ser tida como provisória.
Ainda em matéria de condições de trabalho, há aspetos quase anedóticos. Nesta chamada “era tecnológica” que vivemos, em que operadoras móveis fazem anúncios de televisão em que demonstram que a sua rede de internet chega às profundezas das Grutas de Mira D`Aire, no meu Tribunal não dispomos de wi-fi na sala de audiências. Bem, em várias, nem sequer de telefones … e fico-me por aqui porque teria todo um novelo de lamúrias e lamentos para desfiar.
Quanto a pessoas, sabendo-se da realidade, transversal a todo o País, da falta de juízes e de funcionários, sendo o serviço dos juízes muito pesado, face à ratio de processos por juiz, no que toca aos funcionários não sei se haverá situação mais dramática do que a do meu Tribunal, em que o desajuste do quadro legal foi, logo após a reforma de 2014, um dado adquirido e, neste momento, encontra-se com um défice que atinge os 34%, no caso dos Escrivães Adjuntos.
Sem qualquer exagero, creiam-me, deste ponto de vista é como navegar num autêntico mar de desânimo.
A tarefa que me cabe, por isso, é árdua. E eu, se estou aqui por mim - na medida em que, quem se dá, sempre se acrescenta - é sobretudo por eles que aqui me encontro, em plena consciência das dificuldades.
Dedicarei, pois, os próximos anos da minha vida ao serviço do meu Tribunal, das pessoas que nele trabalham e, por via disso, ao serviço da Justiça.
Num mundo infernal de procedimentos administrativos e financeiros e de toda a sorte de entropias, tudo farei para alargar as fronteiras do possível, tomando terreno ao impossível.
É este o compromisso que solenemente assumo.
Depois disso seguirei com a minha vida, de juiz, que é o que sou, o que não esquecerei em nenhum momento.
Quero aqui dizer que apesar dos muitos anos de serviço que já levo, posso afirmar que não estou farta de ser juiz.
Tenho muito orgulho no que faço e no que fazem todos os dias os Juízes deste País.
Serão sempre, como sabemos, funções incomuns desempenhadas por cidadãos comuns, mas que os engrandecem e os preenchem como seres humanos, e é isto que digo, sempre que tenho oportunidade, aos juízes mais novos e, mais importante ainda, o que tento transmitir com o meu exemplo.
Tenho também um imenso respeito pelo trabalho que é desenvolvido pelos demais operadores judiciários, Magistrados do Ministério Público, Advogados e Funcionários Judiciais, a que já me referi, que, em condições por vezes muito para lá de difíceis, contribuem para que os tribunais possam cumprir o seu desígnio de administrar a justiça em nome do Povo.
Termino dizendo que estou motivada e espero honrar a confiança em mim depositada.
Tenho também a tranquilidade de saber que, se a confiança ou a motivação a que aludi, em algum momento, esmorecerem, recorrendo a uma imagem já utilizada, não ficarei uma “sem abrigo”. Terei sempre, agora, uma Casa/Tribunal da Relação à minha espera, onde poderei continuar a servir como juiz, que é o que serei até ao fim dos meus dias.
Cumprindo o prometido, vou terminar.
Sou de trabalho.
Vamos a ele.
Muito obrigada a todos pela atenção.
A Juíza Presidente da Comarca de Lisboa Norte
Sara Pina Cabral